quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

"E então eu o vi entrar esbaforido no salão
 -Hey, o quê houve, G.?
 -Nada. Não foi nada mesmo, L.
 -E essa correria toda então? O que significa?
 -Significa que preciso de um drinque. É.. Acho que aquele seu martíni de maçã seria uma boa, é um bom dia pra experimentar.
 -Mas é doce...
 -Bem, estou afim de variar, L. Então, ruiva... Vai me preparar essa martíni?
 -Claro... Mas deixo claro que isso é bebida de menina! É doce, demora pra embebedar e você fica com uma dor de cabeça desgraçada no dia seguinte... Vai por mim, teu whisky holandês de sempre seria uma pedida muito melhor.
 Ela foi até as garrafas do bar e preparou dois drinks. Voltou e os colocou na frente dele.
 -Aí estão. Dois martínis de maçã.
 -Dois? Mas eu pedi...
 -Na verdade, você não especificou a quantidade. E o segundo é meu.
 -Bebendo em serviço? Que feio, L.!
 -Serviço? Onde diabos você está vendo serviço pra mim, G.? Estamos largados. Dispensamos as outras garotas...
 -Então estava sozinha aqui? É mesmo uma pena...
 -Nem tanto. Consertaram a jukebox mas deixaram-na lá nos fundos. Fiquei dançando sozinha lá um bom tempo...
 -Jukebox, é?
 -É... Foi o que eu disse.
 -Não vejo uma dessas desde que meus avós morreram... Bem, já que a senhorita é a única aqui trabalhando, seu chefe não vai se importar de um cliente ir lá pros fundos, certo?
 Ela pareceu considerar a hipótese.
 -Com supervisão, é claro.
 L. o tomou pela mão e o levou até um depósito de bebidas. Era razoavelmente grande o lugar. Nos fundos, estava ela. A linda, vermelha, chamativa e sedutora jukebox de que L. falara.
 -Bem, vejamos esse acervo. - G. caminhou até ela e começou a checar as músicas. - I Love Rock n Roll? Adequado. Não acha, L.?
 -Adequadíssimo, aliás.
 G. colocou a música para tocar. Os riffs, a voz de Joan Jett. Era uma puta duma música.
 -De repente, acho que isso me lembra alguém...
 -Alguém quem, G.?
 -Uma garota, talvez. Não me lembro bem.
 -Então I love rock n roll te lembra alguém de quem você não se lembra? Pois essa pra mim é nova!
 -Vai mesmo tirar sarro de mim? Então que seja, vamos ver quem ri agora!
 Ele se virou para a jukebox e trocou a música. Your song, de Elton John. Estendeu a mão à L., convidando-a a uma dança.
 -Sabe que eu não danço, G.
 -Pois eu lhe ensino, venha cá. Não é tão difícil.
 -Não? Bem, então talvez eu tenha dois pés esquerdos.
 -Então terei dois direitos e ficaremos equilibrados.
 G. a puxou contra seu corpo e posicionou suas mãos. A direita em seu ombro e a esquerda segura entre seus dedos.
 -E a postura, L.?
 -Postura? O quê é isso? - disse ela, em tom de brincadeira.
 -Endireite-se. - disse ele, sério.
 -Pois bem, quem quer que eu dance é você. Se vire.
 G. semicerrou os olhos, como quem aceita um desafio. A segurou forte contra seu peito, erguendo-a do chão.
 Com os pés sem tocar o chão, L. sentia-se flutuar. G. era um belo de um pé-de-valsa! Então, talvez levado pelas cervejas que tomou mais cedo e o martíni no bar somados aos rodopios abraçado a L., ele tombou, tonto, puxando-a pra cima dele.
 Os dois riram. Riram como se estivessem completamente bêbados e insanos.
 -G., você é uma figura! Obrigada...
 -Eu sou incrível, não sou? Pois bem, de nada, L.
 -Você é um tremendo narcisista, isso sim. - disse ela, dando um soco no peito dele e se sentando. - Logo acaba meu horário. Devo fechar o bar e ir para casa.
 L. se levantou e bateu de leve na própria calça, espanando o pó que pudesse estar ali. Desligou a jukebox e se virou para G.
 -Mas que beleza! Pretende ficar aí até quando mesmo?
 -Tem alcool e música. Posso ficar por um bom tempo.
 -Pode? Não acho. Vamos, levante-se. Vamos embora."

 - Jukebox, parte 1.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"E lá estávamos nós... Deitados naquele gramado pelo que poderia ser um minuto e, ao mesmo tempo, um século. Ergui a mão aberta em direção ao céu, olhando as estrelas por entre meus dedos. -Isso não é lindo? - eu disse, meio que falando comigo mesma. -Isso o que é lindo, L.? -O modo como essas estrelas brilham, mesmo que estejam mortas... Ainda as vemos. Ainda nos iluminam toda noite. Suspirei. Era o tipo de coisa que me deixava em extâse. Os astros, a noite, as luzes, as almas... Era o tipo de assunto no qual eu podia me prender por horas e horas.
-Sim... É mesmo algo lindo.
Me sentei, abraçando meus joelhos como uma criança que se sente sozinha.
-Às vezes, não é sempre, sabe? Só que às vezes eu me sinto como uma dessas estrelas mortas. Por que, de certo modo, estou morta e essa é a verdade, mas as pessoas à minha volta não veem isso... Elas acham que estou viva, por que estão muito longe. Minha morte ainda não chegou até elas...
-Se tu fores uma estrela morta, minha cara, saiba que gerou muitas outras à tua volta... Sabe, uma estrela quando se 'apaga' deixa outras, pequenas, brilhando no lugar onde esteve. Mas não acho que você seja do tipo que se apaga.
-Toda estrela se apaga um dia...
-Então você não é uma estrela, oras. É, não sei, o que é eterno? Bem, não sei se é eterno, mas sei que é grande. Você é um universo, L. Um universo à parte de qualquer outros, com seus próprios astros pairando loucos por aí.
-Um Universo...
-Sim, um Universo. O mais belo e completo dos espaços.
-Provavelmente, também o mais comfuso.
-Todas as grandes descobertas são confusas... Veja a teoria da evolução.
-Está me comparando com algo que diz que viemos de um macaco?
-Hum, me desculpe. Okay, teoria da relatividade, que tal? Albert Einstein...
-Sei quem foi o responsável por ela... Mas... quem é o responsável por mim?
-Talvez você não precise de um.
-Mas talvez eu queira um."

-Alguém.
"Ah, esse cheiro de chuva.. Tão passivo, tão amigo, mas tão invasor! Me invade de uma forma que é difícil expor em palavras... Já não sei bem se o som das gotas batendo no chão são das gotas da chuva ou das gotas de meus olhos. Ouço risos, Risos de criança. Uma menina por volta de seus 9 anos, decalça, corre e salta na chuva. Livre. Saudade dessa liberdade. Nostalgia. Um aperto no fundo do peito me lembra de que estou viva. Ainda vivo, sim. Vivo por fora, vivo no físico. Por dentro me tornei pedra. Minhas primeiras camadas subterrâneas são rochas, que sinto derreter aos poucos quando o riso e a cantoria da menina ficam mais próximos. E então ela está próxima o suficiente para que nossos olhos se cruzem. São olhos claros, bonitos. Conhecidos. Olhos sugestivos como os que eu tive um dis. Como os que eu tive quando sabia que a vida era pra se viver."
- Alguém.

domingo, 9 de dezembro de 2012

"Então que tal essa? Vâmo passar o ano novo juntinhos, ver a queima de fogos de um canto da cidade. Quem sabe estourar uma champagne sem a necessidade de bebê-la. Vamos desejar à meia-noite que essa madurgada se estenda por mais algumas horas. Vamos nos beijar enquanto as pessoas passam na rua aos gritos festejando a virada. Vamos nos fazer explícitos, meu amor. Vamos comemorar como idiotas, como se o mundo acabasse agora."
 - Alguém.
"Devia ser meia-noite. Ou mais. Ou menos. Já não importa. Eu estava com meus fones, o que quer dizer que o tempo havia desaparecido. Sei que devia estar já há algumas horas sentada no meu telhado. Estava chovendo também. Lembro-me das gotas d'água escorrendo por meus braços e por meu rosto. Deitei-me. Senti os gravetos e folhas no meu cabelo. Senti esses mesmos gravetos e folhas arranharem meus braços e meu rosto enquanto eu, de alguma forma, caía. Mas era como se ainda estivesse no lugar. Senti um baque, minhas costas, o chão. A chuva ainda caía sobre mim, ainda podia sentir algumas coisas. O quê havia acontecido? Ainda podia ouvir, bem longe e baixo, o som dos meus fones... Ainda ouvia um sussurro que dizia para um filho desobediente seguir em frente por que haveria paz ao final de tudo... Tentei respirar fundo, mas o ar saiu arfante. Tentei me virar, ficar de lado, impossível. Minhas costas doíam como o inferno. Oh céus... Seria esse o fim de uma vida? Talvez não, talvez apenas o início de outra... Fechei os olhos, tentei não pensar em nada, a música seguia ao fundo... "Carry on, you'll always remember..." Eu não me lembraria.. Já via memórias sendo apagadas. Corria atrás das memórias que fugiam. Três minutos de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Eu era Jim Carrey então? Ouvi minha mãe gritar e correr e abaixar-se ao meu lado e tomar-me nos braços. Minhas costas, minha coluna... Um último grito de dor e um sorriso leve. Gostaria que ela pudesse me ouvir pensar... "Mãe, não sofra, não chore. Siga em frente, é só o que lhe peço." Um último olhar para o céu e a escuridão. E então uma luz. Branca, forte, me cegou a princípio. Pude ouvir vozes. "It's a girl, it's a girl", ouvi um homem dizer, num sotaque britânico fortíssimo. Aquele choro de criança... Ah, sim. A morte que não era um fim."
 - Alguém.

sábado, 1 de dezembro de 2012

"Eu precisava de uma boa desculpa pra sair daquela festa. A música era horrível e não havia sequer uma bebida que pudesse me deixar de porre. Mas era a festa de uma velha amiga, ela iria ficar magoada se eu fosse embora.
Então eu precisava de um bom motivo pra ficar lá. Minha música preferida, um doce bem feito ou uma garrafa de whisky decente. Tanto faz. Mas era difícil encontrar algo bom ali.
Eu precisava de ar. Ar puro.
Subi as escadas e fui pra sacada de um dos quartos. O vento frio da noite bateu confortável contra minha pele.
Mas eu não estava só. Tinha um cara na sacada do outro quarto. Alto e muito branco, o terno escuro caía muito bem contra sua pele. Sua gravata estava lpresa com um nó nas grades da sacada.Os óculos de armação reta, discretos, o faziam parecer ainda mais sóbrio, sério.
Encarei meus pés. Eu era oposta àquele cara. Estava usando o mesmo par de tênis sem cadarço que usei na formatura do ensino médio. Um vestidoxadrez meio curto que eu com certeza não compraria, mas decidi tirar do embruhlo de presente e vestir.
Ele tinha aquele porte de excutivo bem sucedido, enquanto eu, bem, digamos que até minha estatura contribuía para que eu ainda parecesse uma caloura de colegial.
Pensei em entrar e me jogar na cama. Estou passando mal, Mari, você não se importa se eu ficar um tempo aqui, não é? Mas não pude. Os olhos dele prenderam os meus.
Olhos castanhos? Sim, deviam ser castanhos.  Mas também poderiam ser verdes. Mas estava bem assim. Olhos escuros contrastando com a pele clara que contrastava com o terno que contrasatava com a camisa que contrastava com a noite.
Ficamos um bom tempo assim, apenas nos encarando. Talvez ele também estivesse me fazendo perguntas mentais. Por três vezes, meus lábios se abriram. Mas nenhum som saiu.
Ouvi meu nome e meu pescoço virou-se instintivamente para dentro da casa. Que diabos. Ouvi a porta da outra sacada bater. Quando votei o olhar, ele já não estava lá.
Suspirei. Voltei para baixo.
Desci a tempo de ver alguém pegar um chapéu do cabideiro na entrada e colocá-lo na cabeça antes de sair pela porta. Alguém alto, usando um terno muito escuro.
Mas ninguém saberia quem era ele. Sequer saberiam quem eu era."
-Alguém.