terça-feira, 19 de março de 2013

História inacabada - colaboração de Jordy Cavalcanti.

Era uma noite fria e vazia.. aproximadamente nove horas da noite. Todos da vila já estavam dormindo em suas casas, mas algo lá fora estava chamando Raymond.. e eis que o mesmo resolvera ver o que tanto o convidava a sair. Abriu a porta, deu dois passos para fora, se voltou a mesma e a fechou, em seguida, voltando novamente sua frente para o lado contrário de sua moradia. O vento batia contra a pele de lobo que cobria sua armadura na a tentativa de congelar sua pele naquele frio noturno, mas ele resolverá respirar aquele ar. Passou então a caminhar ali, caminhou.. caminhou.. até que chegou as primeiras árvores que davam acesso a floresta que ficava ao lado da vila. Segurava uma tocha, e virou a mesma para a floresta, não vendo nada além daquelas escuras árvores e aquela grama no chão. Na verdade a visão ali era bem dificultada, não havia nada aceso além das fogueiras dentro das casas e de sua tocha. O mesmo então voltou o fogo para perto de si, afinal também era mais uma proteção contra o frio. Foi então que o jovem ouviu um barulho vindo da floresta..
Apesar do frio, que se tornava cada vez mais intenso, e do vento, cada vez mais cortante, os ruídos eram causados pelos pés descalços de uma jovem. Sieglinde não se incomodava com o frio - era parte dele. Os trajes de dormir eram o suficiente para ela sair de casa confortavelmente numa noite como essas. Os ombros nus e as maçãs do rosto estavam corados, como queimaduras causadas pelo gelo, mas Sieglinde sorria confortavelmente. Rondava a vila, há dias, sempre nesse horário, em busca de não ser notada. Já havia fugido há muito tempo de sua própria vila, temendo ser queimada viva como bruxa. Soube de revoltas e denúncias após sua partida, até mesmo de buscas por ela. Mas não esperou para ver no que daria.
O vento, cada vez mais forte, batia nos cabelos negros de Raymond, fazendo alguns fios caírem sobre seu rosto, mas aquela quantidade não o atrapalhava o suficiente para o mesmo precisar retirá-los. Levava sua mão direita até a bainha de sua espada, e a tirava dali, por seguida apontando a mesma para a floresta. - Quem está aí? Perguntou ele, com uma voz um tanto fria e séria. Sabia que as chances de ser apenas um animal pequeno eram grandes, mas nunca se sabe quando ursos ou outros animais, ou até um ataque surpresa de um exército poderiam surgir. Seus olhos azuis fitavam a floresta escura, mesmo com pouca visualização, já que a tocha em sua mão esquerda se encontrava mais perto a seu corpo. Aguardava uma resposta, enquanto posicionava sua perna esquerda para frente e a direita para trás, ficando em posição de batalha, caso alguém o atacasse. Esperava que dessa vez não fosse nada além de um animal inofensivo..
Sieglinde pensou em correr. Mas já havia sido notada e estava faminta. Caso se declarasse, haveria duas possibilidades: encontrar algum aldeão que lhe desse alguma direção ou ser tida novamente como bruxa e precisar fugir, coisa com a qual estava habituada. Decidiu sair das sombras das árvores e se mostrar. Sabia que ainda não podia ser vista comclareza quando viu o jovem envolto na pele de um lobo. Caminhou devagar na direção dele, percebendo que estava pronto para atacá-la caso se sentisse ameaçado de qualquer forma. Sentiu os gravetos em meio à grama, mas continuou andando, muito lentamente, temendo instigar qualquer instinto no rapaz ali parado.
-Sou Sieglinde. - disse ela, num tom que fosse audível através do vento cortante. - Venho de uma aldeia algumas montanhas ao sul. Foi devastada num ataque, consegui fugir mas minha família foi morta. - mentiu, sabendo que se admitisse a fuga, a interrogariam sobre seus motivos.
Raymond ficou surpreso, uma garota, sozinha, aquela hora da noite. Era raro o fato da mesma ter chegado até ali sem ter sido morta ou se tornado uma escrava. Eram tempos cruéis aqueles, qualquer desertor ou fugitivo era facilmente se tornado escravo ou morto se pego por outra tribo, e uma garota bonita daquela se tornaria um objeto de diversão perfeita qualquer grupo de selvagens. O jovem queria acreditar na garota, mas não era de seu instinto. Havia muitos ladrões e ladras naquelas épocas com forte poder de sedução, e Raymond era cauteloso. Ainda apontando a espada para a garota, disse-lhe em voz séria ordenando-a.. - Anda.. por seguida, movendo a cabeça para o lado, dando entender a ela que era para a mesma caminhar em direção a vila..
O rapaz não confiaria nela, isso era óbvio antes mesmo que Sieglinde o visse. Respirou fundou e caminhou, de cabeça baixa, até estar três passos mais próxima da vila que o rapaz.
-Venho só. Não há mais ninguém comigo, acredite. Se quiser, vou para longe. Já estou caminhando há dias, mais um pouco disso não será muito a aguentar.
Sieglinde não levantava a cabeça ao falar. Não queria ser avaliada. Seus cabelos caiam para frente, deixando as costas à mercê do vento que entrava por suas vestes. Se pudesse, amaldiçoaria o momento em que aquele rapaz a notou. Maldizia sua própria sorte em voz baixa.
Fechou os braços contra o corpo. Primeiro para que o rapaz não lhe perguntasse sbre sua naturalidade diante do frio, segundo por que temia sua própria segurança ali, e isso era uma defesa inconsciente.
Não disse mais nada a ela, apenas continuou caminhando, apontando a mesma o caminho. Até que ambos chegaram a uma das casas e entraram nela. A casa estava vazia, era de madeira e nela havia apenas uma cama, uma lareira acesa, uma panela ao chão em frente a mesma, uma mesa com algumas facas em cima de tal, e duas cadeiras em sua volta.. e no chão, algumas espadas e armaduras encontradas ao canto de uma parede. Raymond fechou a porta, virou a garota de costas, guardou sua espada e, pegando uma corda que se encontrava atrás da porta, amarrou os pulsos dela, uns aos outros, fortemente, por seguida, pegou uma das facas da pesa e cortou a corda, fazendo ficarem de tamanho perfeita para seu objetivo.. prendê-la. Após isso, segurou o braço da mesma e levou-a até uma das cadeiras de frente a mesa, e sentou-a lá.. por seguida, foi até a panela encontrada no chão em frente a lareira, e colocou-a do fogo ali presente. Também havia um barril fechado num dos cantos da casa, com 4 copos e 4 pratos de madeira em cima do mesmo..
Sieglinde respirou fundo, arqueando as costas. Deveria ter fugido. Seria entregue a um superior ou escravizada. Não temia à morte mais do que à perda de liberdade. Não sabia se mantinha a calma ou liberava a raiva que sentia - do rapaz e de si mesma.
As cordas estavam apertadas demais, suas mãos já estavam dormentes. Não sabia se deveria dizer algo ou se só pioraria algo que já estava degradante. Tentou mover as mãos para afrouxar os nós, mas só lhe causava dor e ardência nos pulsos.
Resignou-se a ficar quieta, olhando para os cantos da casa e movendo as pernas, impaciente.
Após alguns minutos olhando a lareira, e sempre por vezes fitando a garota, segurando um tecido de pano que estava ali perto ele retirou a panela dali, colocando-a no chão. Por seguida, pegou as coisas que estavam acima do barril e colocaram ela ao chão, do lado dele, pegando apenas um copo.. abriu a tampa do barril, mergulhou o copo dentro do mesmo, enchendo-o de água, e, em seguida, colocou o copo com água no chão. Depois disso, pegou um prato de madeira, e foi até a panela, pegou dois pedaços grandes de carne de alce que estavam ali e colocou no mesmo. Segurando o prato, foi até o copo com água, e com a mão livre o pegou, caminhou até a mesa e por fim, colocou os dois objetos na mesma, em frente a garota.. pegou um pedaço de carne com a mão, e colocou em frente aos lábios da mesma, sem dizer nada.. fitando-a com uma expressão séria..
Sieglinde levantou os olhos em direção ao rapaz. O cheiro da carne estava tentador, especialmente considerando que ela estava há três dias sem comer. Mas ela não se resignaria a isso. Foi criada por um bando de mulheres, não admitiria esse tipo de humilhação. Não comeria enquanto não estivesse solta, mesmo que morresse amarrada e por inanição.
Olhou para a lareira, vendo as chamas estalarem. Soltou o ar, baixando os ombros. O cheiro da carne parecia deixá-la tonta, mas estava decidida a não comer da mão do rapaz.
Ele não insistiria. Não tinha nada a ver com a saúde dela.
Sieglinde sabia que o rapaz a olhava, mas não voltaria o rosto naquela direção, a menos que a tratasse como a um ser humano.
 Ainda calado, Raymond voltava a mão com a carne ao prato e o soltava lá. Se a garota não o morderá, aos olhos dele, era porque não estava com fome, e não era problema dele. Aliás, já estava sendo bom de mais com ela ao seu jeito individual de ver as coisas. Um outro rapaz um pouco instintivo, já a teria estuprado e tornado-a uma escrava desde a primeira vez em que a mesma abriu a boca. Uma fugitiva? Perfeita para escravizar e fazer o que bem entender. Mas sabe se lá por que, Raymond olhou aquela garota com outros olhos. Estava disposto a ouvir sua história, e só depois disso resolveria o que faria com ela.. uma coisa é fato, no momento em que alguém da vila notasse a presença de tal, Raymond havia de estar com a resposta do que faria em sua mente, porque só havia duas opções para estes casos.. ou apresentá-la ao líder da vila como uma escrava do mesmo, ou inventar alguma história do tipo cujo ela era de uma vila amiga e que a tinha tomado como esposa. Mas e se o líder da vila resolvesse confirmar com a vila amiga? Na verdade, era certo que a história acabaria se contradizendo.. iria ter de pensar em outra coisa. Porém ele teria a noite toda para pensar nisso.. por hora, queria saber mais sobre a garota.. foi então que, o jovem contornou a mesa, e sentou-se na outra cadeira, de frente para a garota.. fitando os olhos dela (depois descreva a aparência dela, cor olhos cabelo etc) de uma forma curiosa.. - Aldeia a algumas montanhas do sul hein? Conheço algumas de lá.. quem era o líder de sua aldeia? Raymond estava blefando.. ainda não havia atravessado as montanhas ao sul.. aliás, era isso que o exército de sua vila almejava. Conquistar terras além do norte, mas para isso, precisava dominar todo o norte antes..
Sieglinde sabia que era pouco provável que o rapaz conhecesse de fato suas terras. As aldeias ao sul daquelas montanhas eram muito distantes e tinham pouca relação com o lado norte, por isso fugira para cá. 
Olhou para o rapaz, ainda sem saber muito bem como se viraria caso as perguntas se aprofundassem demais. Deveria mentir, mas sem passar dos limites.
-Conhece as aldeias do sul? Pois então deves ter ouvido falar muito de meu líder, Bark. É um homem muito poderoso e conhecido nas terras do sul. - Sieglinde não mentia. Bark era realmente um dos líderes mais fortes entre as aldeias do sul, porém não era de sua aldeia.
Encarava o rapaz com toda a intensidade que podia. Talvez encontrasse algum traço que indicasse onde exatamente ela estava. 
Quem a visse algumas semanas antes, por exemplo, saberia bem de onde veio se conhecesse as aldeias de sua região. Os cabelos castanhos, um pouco avermelhados, eram arrumados numa longa trança, como os de todas as mulheres com quem fora criada. Trazia uma marca na canela esquerda. Uma runa talhada com metal quente, mas o rapaz não deveria ter notado esse detalhe.
Nunca ouvirá sobre esse tal Bark, mas movia a cabeça em gesto de compreensão, fingindo que sabia.. - Entendi.. está ficando tarde, não quer mesmo comer? Perguntava ele de forma um pouco mais simpática desta vez..
Sieglinde sacudiu a cabeça, espalhando o cabelo pelos ombros.
-Como posso comer estando assim amarrada? - disse ela, olhando para o rapaz como quem ressalta algo óbvio.
- Sinto muito.. mas se quiser comer vai ser assim, ainda não confio em você e por isso não posso te soltar.. dizia ele, fitando os olhos da mesma. Não havia notado tanta formosura nela, talvez porque a mesma estava bem abatida.. - Se quiser comer, diga agora.. só vou perguntar desta vez, caso não queira, iremos dormir..
-Pois que durma então. Uma noite a mais sem um pedaço de carne não me levará à morte. - disse Sieglinde, revirando os olhos. - De onde venho, não se come das mãos de ninguém que não seja você mesmo, a menos que seja sua mãe. O senhor não é minha mãe, é? - dizia ela, como se visse graça em algo. 
Havia o chamado de "senhor"... Não que ele fosse muito mais velho que ela. Pelo contrário. Era mesmo um rapaz. Não um menino, mas não era o que ela chamaria de homem. Ainda tinha as feições um tanto jovens sob todo o resto.
O chamara de "senhor", por pura falta do que dizer.
Raymond sorriu, de uma forma um tanto.. malígna, e não deixara de fitar os olhos da garota, por seguida, voltando uma expressão mais séria. Levantou da cadeira, e passou a contornar a mesa, chegando agora atrás da garota.. - Sabe.. disse ele, abaixando a cabeça ao lado da mesma, levando seus lábios até um dos ouvidos dela, enquanto sussurrava.. - De onde eu venho, um outro rapaz, já teria feito coisas com você que você não iria gostar.. você iria pedir pra ele parar, e ele iria fazer, e fazer, até ele matar sua vontade. Ele ia fazer isso com você todos os dias, até você se acostumar ou morrer.. são assim que as coisas são por aqui.. então, levantando a cabeça novamente para cima, e usando sua voz em tom normal, ele concluiu.. - Podemos agir diferente dessa vez, você pode comer e ser uma boa menina, ou eu posso agir como as pessoas de onde venho agem, assim como você está fazendo..
-Ou podemos dormir, como você mesmo havia dito antes... Pode dizer o que quiser, não me assusta. Pode até mesmo fazer oq ue quiser, não me importo com isso... Ou acha que cheguei até aqui por sorte? - disse ela, pela primeira vez agindo como agiu a vida toda. - Mas não creio que seja o tipo que faria algo tão... "selvagem". Agiu de forma muito mais racional do que isso desde que cheguei. Se fizer algo, apenas mostrará ser alguém um tanto instável.
Sieglinde deu um meio sorriso pra si mesma. Passara por coisa terríveis ao longo de sua vida. Um rapazote desses, ou mesmo aquela vila inteira, não seria bastante para baixar seu orgulho.
Olhando-a com uma expressão séria, e por seguida respirou fundo e deixou o ar sair.. - Pode-se dizer que hoje estou de bom humor, mas não acredite que será sempre assim.. Venha, vamos dormir. Disse ele, segurando no braço da mesma, levantando-a. Levou-a até a sua cama, e deitou-a lá. Deitando ao lado da mesma em seguida. Cobriu ambos e a abraçou para se esquentar.. era uma fria noite de inverno, e o frio só aumentava quanto mais tarde ficava..
Pode-se supor que Sieglinde estava longe de ficar satisfeita com a situação. Precisava sair dali. E rápido. Se ele decidisse levá-la a algum superior, o que certamente traria certo mérito a ele, seria escravizada, estuprada, morta... Não fazia ideia de que aldeia era aquela e de quais eram seus costumes para com os que eram apreendidos nos arredores. Não conseguiu dormir. As cordas e a posição a incomodaram a noite toda, sem contar no estranho que dormia a seu lado.
Apenas torcia para que a manhã chegasse logo ou para que seu cansaço pesasse e a fizesse dormir. Mas nenhum dos dois aconteceu.
O dia amanheceu... os sons das crianças brincando na vila podiam ser ouvidos, das pessoas caminhando. Eram sete da manhã quando Raymond acordava, notando que a garota ainda estava ali. Como de costume, estava ereto pela manhã, e como estava grudado a ela, a mesma podia sentir. Notava também que ela já estava acordada, e com uma expressão cansada. E com uma voz sonolenta, levantando o rosto para vê-la melhor, ele perguntou.. - hmm.. por que não dormiu?
-Digamos que não é muito confortável dormir com essas cordas nos pulsos e um estranho me agarrando. Espero que tenha dormido tão bem quanto parecia.
Se Sieglinde era ruim durante a noite, imagine pela manhã, depois de uma noite insone com as costas ardendo em dor como estavam!
Jogou a cabeça pro lado, expulsando uma mecha de cabelo que lhe caía sobre os olhos - que provavelmente se mostrariam verdes como eram, agora que o Sol se mostrava - fazendo seu cabelo bater no rosto do rapaz.
- Vire pra mim.. quero te explicar uma coisa..
Sieglinde virou-se como pôde, agradecendo mentalmente por poder mover-se, sentindo um imenso alívio nas costas.
-Explique. Que é?
Os olhos azuis dele estavam ainda um pouco fechados, mas o mesmo os abriu mais conforme fitava os olhos verdes dela e começava a falar.. Veja, se alguém da vila te ver, vai lhe achar uma ladra. Se mais de um estiver presente, vão lhe levar ao líder da vila, e vão votar no que fazer com você, provavelmente vão votar por lhe enforcar.. pra mim, você vale mais viva do que morta. Mas eu não quero ter trabalho com você. Ou você se torna minha escrava.. ninguém além de mim tocará em você, e você apenas vai precisar apenas me servir de algumas formas.. ou eu posso te expulsar da minha casa, e como sabe, está cheio de pessoas lá fora.. e então? Temos um acordo?
Sieglinde respirou fundo, soltou o ar. Não era o ideal, mas era uma forma de ganhar tempo.
-Pois bem... Saiba apenas que não é do meu feitio, mas se é a melhor forma... Sim, temos um acordo, rapaz.
- Pois bem.. Raymond então levantou da cama, e se espreguiçou.. por seguida, voltou o olhar a Sieglinde e a disse.. - Levante, vou lhe soltar.. você vai comer e vou lhe apresentar ao líder da vila como minha escrava..
- Espere.. Disse Raymond, pensando.. - Tive uma ideia melhor.. você será minha prima, filha de um tio que mora em uma outra vila do norte, um tanto longe daqui.. vai demorar para descobrirem.. porém, se você tentar fugir, vou inventar algo sobre ti e fazer com que todos aqui lhe cacem, inclusive eu.. você me deve uma. Portanto vai me ficar aqui e me servir até eu decidir que pode ir embora.

terça-feira, 12 de março de 2013

Nunca fui de prestar atenção nos calçados de alguém. Sempre fui de olhar ao longe quando estava no metrô, e não para o chão. Mas então aquele par de All Stars me chamou tanto a atenção...
Era uma mancha azul no meu campo cinzento de visão. Voltei a subir o olhar e me deparei com seu rosto. Estava ali, com um lindo exemplar de "Sonho de uma noite de verão" nas mãos, sentada do outro lado do vagão. Não era a garota mais espetacularmente linda, mas era a mais particularmente bela.
Seus olhos, mesmo sob aquela mecha de cabelo, eram lindos. Me perdi tentando decorar cada detalhe, tentando desenhar discretamente no ar para não perder os traços no caminho até minha casa.
Me perdi tanto que não me dei conta de que passou a olhar para mim, confusa porém sorrindo de forma tão simpática que esbocei um "oi" baixinho, inconscientemente.
Você olhou para os lados, pôs o cabelo atrás da orelha e se levantou. Pôs o livro na bolsa enquanto vinha até mim. Sentou-se ao meu lado e disse apenas:
-O tênis, o livro ou o cabelo?
Fiquei sem reação. Completamente sem reação. Você riu e continuou a falar. Um vocabulário com umas gírias tão lindas que cheguei em casa ouvindo teus ecos à minha volta. Me deu seu telefone. Viramos a noite acordados. Dois estranhos. Conversando por horas.
Eu nem sequer sabia seu nome. Te liguei e perguntei se era a garota do All Star azul. E era.
Nos vimos, saímos, rimos.
Era incrível como nunca combinávamos, mas sempre estávamos disponíveis um ao outro.
Também nunca fui muito de escrever, mas são doze andares até o seu apartamento, tenho de fazer algo enquanto penso no quanto estou louco para te encontrar, para sair deste elevador e continuar aquela conversa interminada de ontem à noite. Não vejo a hora de te encontrar, por mais que só faltem alguns minutos.
Eu e meu All Star preto de cano alto, ambos encharcados pela chuva, o que já não importa. Se me resfriar, tem bastante suco de laranja em casa, ainda há canjas de galinha no mercado, certo?
Quase posso sentir cada canto desse prédio, desse bairro... sorrindo. Sorrindo pra mim, por nós.
Estranho seria se eu não me apaixonasse por você!
O sal viria doce para os novos lábios.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

“E de repente me peguei sentada no chão, de pernas cruzadas, feito criança. Eu não desmaiei, só o fiz inconscientemente. Fiquei cansada. Não de caminhar, minhas pernas estão bem. Me cansei da vida. De caminhar em círculos dentro da minha mente. As pessoas passam em volta. Olham. Viram os pescoços, curiosas, esticam o olhar como se uma atração de círco dos horrores houvesse fugido. Mas talvez eu estivesse parecendo uma. A vida perdeu o sentido com tante brutalidade e rapidez, que qualquer coisa de humana se esvaiu pelos meus dedos, como se fosse sangue.”
-Alguém.
"Já fui encontrada, já fui perdida, já tropeçaram em mim, ao acaso. Ou talvez não seja tão acaso assim, tudo tem razão para acontecer. Seja aquele seu tropeço na meio da rua, seja um grande amor, seja a perda de alguém querido. Nada acontece simplesmente por acontecer. Uma gota d’água basta para morrer afogado, se você vir-se como uma formiga. Tudo é questão de ângulo. Como uma dessas pinturas 3D, que você só entende olhando pelo ângulo certo. Há uma determinada beleza nisso, há uma magia. Isso de não existir acaso, mas, ao mesmo tempo, você depender dele pra saber por onde começar a olhar a vida, se é que há um ângulo certo. Há um quase divertimento sádico nisso tudo."
 Alguém.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

"E então eu o vi entrar esbaforido no salão
 -Hey, o quê houve, G.?
 -Nada. Não foi nada mesmo, L.
 -E essa correria toda então? O que significa?
 -Significa que preciso de um drinque. É.. Acho que aquele seu martíni de maçã seria uma boa, é um bom dia pra experimentar.
 -Mas é doce...
 -Bem, estou afim de variar, L. Então, ruiva... Vai me preparar essa martíni?
 -Claro... Mas deixo claro que isso é bebida de menina! É doce, demora pra embebedar e você fica com uma dor de cabeça desgraçada no dia seguinte... Vai por mim, teu whisky holandês de sempre seria uma pedida muito melhor.
 Ela foi até as garrafas do bar e preparou dois drinks. Voltou e os colocou na frente dele.
 -Aí estão. Dois martínis de maçã.
 -Dois? Mas eu pedi...
 -Na verdade, você não especificou a quantidade. E o segundo é meu.
 -Bebendo em serviço? Que feio, L.!
 -Serviço? Onde diabos você está vendo serviço pra mim, G.? Estamos largados. Dispensamos as outras garotas...
 -Então estava sozinha aqui? É mesmo uma pena...
 -Nem tanto. Consertaram a jukebox mas deixaram-na lá nos fundos. Fiquei dançando sozinha lá um bom tempo...
 -Jukebox, é?
 -É... Foi o que eu disse.
 -Não vejo uma dessas desde que meus avós morreram... Bem, já que a senhorita é a única aqui trabalhando, seu chefe não vai se importar de um cliente ir lá pros fundos, certo?
 Ela pareceu considerar a hipótese.
 -Com supervisão, é claro.
 L. o tomou pela mão e o levou até um depósito de bebidas. Era razoavelmente grande o lugar. Nos fundos, estava ela. A linda, vermelha, chamativa e sedutora jukebox de que L. falara.
 -Bem, vejamos esse acervo. - G. caminhou até ela e começou a checar as músicas. - I Love Rock n Roll? Adequado. Não acha, L.?
 -Adequadíssimo, aliás.
 G. colocou a música para tocar. Os riffs, a voz de Joan Jett. Era uma puta duma música.
 -De repente, acho que isso me lembra alguém...
 -Alguém quem, G.?
 -Uma garota, talvez. Não me lembro bem.
 -Então I love rock n roll te lembra alguém de quem você não se lembra? Pois essa pra mim é nova!
 -Vai mesmo tirar sarro de mim? Então que seja, vamos ver quem ri agora!
 Ele se virou para a jukebox e trocou a música. Your song, de Elton John. Estendeu a mão à L., convidando-a a uma dança.
 -Sabe que eu não danço, G.
 -Pois eu lhe ensino, venha cá. Não é tão difícil.
 -Não? Bem, então talvez eu tenha dois pés esquerdos.
 -Então terei dois direitos e ficaremos equilibrados.
 G. a puxou contra seu corpo e posicionou suas mãos. A direita em seu ombro e a esquerda segura entre seus dedos.
 -E a postura, L.?
 -Postura? O quê é isso? - disse ela, em tom de brincadeira.
 -Endireite-se. - disse ele, sério.
 -Pois bem, quem quer que eu dance é você. Se vire.
 G. semicerrou os olhos, como quem aceita um desafio. A segurou forte contra seu peito, erguendo-a do chão.
 Com os pés sem tocar o chão, L. sentia-se flutuar. G. era um belo de um pé-de-valsa! Então, talvez levado pelas cervejas que tomou mais cedo e o martíni no bar somados aos rodopios abraçado a L., ele tombou, tonto, puxando-a pra cima dele.
 Os dois riram. Riram como se estivessem completamente bêbados e insanos.
 -G., você é uma figura! Obrigada...
 -Eu sou incrível, não sou? Pois bem, de nada, L.
 -Você é um tremendo narcisista, isso sim. - disse ela, dando um soco no peito dele e se sentando. - Logo acaba meu horário. Devo fechar o bar e ir para casa.
 L. se levantou e bateu de leve na própria calça, espanando o pó que pudesse estar ali. Desligou a jukebox e se virou para G.
 -Mas que beleza! Pretende ficar aí até quando mesmo?
 -Tem alcool e música. Posso ficar por um bom tempo.
 -Pode? Não acho. Vamos, levante-se. Vamos embora."

 - Jukebox, parte 1.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"E lá estávamos nós... Deitados naquele gramado pelo que poderia ser um minuto e, ao mesmo tempo, um século. Ergui a mão aberta em direção ao céu, olhando as estrelas por entre meus dedos. -Isso não é lindo? - eu disse, meio que falando comigo mesma. -Isso o que é lindo, L.? -O modo como essas estrelas brilham, mesmo que estejam mortas... Ainda as vemos. Ainda nos iluminam toda noite. Suspirei. Era o tipo de coisa que me deixava em extâse. Os astros, a noite, as luzes, as almas... Era o tipo de assunto no qual eu podia me prender por horas e horas.
-Sim... É mesmo algo lindo.
Me sentei, abraçando meus joelhos como uma criança que se sente sozinha.
-Às vezes, não é sempre, sabe? Só que às vezes eu me sinto como uma dessas estrelas mortas. Por que, de certo modo, estou morta e essa é a verdade, mas as pessoas à minha volta não veem isso... Elas acham que estou viva, por que estão muito longe. Minha morte ainda não chegou até elas...
-Se tu fores uma estrela morta, minha cara, saiba que gerou muitas outras à tua volta... Sabe, uma estrela quando se 'apaga' deixa outras, pequenas, brilhando no lugar onde esteve. Mas não acho que você seja do tipo que se apaga.
-Toda estrela se apaga um dia...
-Então você não é uma estrela, oras. É, não sei, o que é eterno? Bem, não sei se é eterno, mas sei que é grande. Você é um universo, L. Um universo à parte de qualquer outros, com seus próprios astros pairando loucos por aí.
-Um Universo...
-Sim, um Universo. O mais belo e completo dos espaços.
-Provavelmente, também o mais comfuso.
-Todas as grandes descobertas são confusas... Veja a teoria da evolução.
-Está me comparando com algo que diz que viemos de um macaco?
-Hum, me desculpe. Okay, teoria da relatividade, que tal? Albert Einstein...
-Sei quem foi o responsável por ela... Mas... quem é o responsável por mim?
-Talvez você não precise de um.
-Mas talvez eu queira um."

-Alguém.
"Ah, esse cheiro de chuva.. Tão passivo, tão amigo, mas tão invasor! Me invade de uma forma que é difícil expor em palavras... Já não sei bem se o som das gotas batendo no chão são das gotas da chuva ou das gotas de meus olhos. Ouço risos, Risos de criança. Uma menina por volta de seus 9 anos, decalça, corre e salta na chuva. Livre. Saudade dessa liberdade. Nostalgia. Um aperto no fundo do peito me lembra de que estou viva. Ainda vivo, sim. Vivo por fora, vivo no físico. Por dentro me tornei pedra. Minhas primeiras camadas subterrâneas são rochas, que sinto derreter aos poucos quando o riso e a cantoria da menina ficam mais próximos. E então ela está próxima o suficiente para que nossos olhos se cruzem. São olhos claros, bonitos. Conhecidos. Olhos sugestivos como os que eu tive um dis. Como os que eu tive quando sabia que a vida era pra se viver."
- Alguém.

domingo, 9 de dezembro de 2012

"Então que tal essa? Vâmo passar o ano novo juntinhos, ver a queima de fogos de um canto da cidade. Quem sabe estourar uma champagne sem a necessidade de bebê-la. Vamos desejar à meia-noite que essa madurgada se estenda por mais algumas horas. Vamos nos beijar enquanto as pessoas passam na rua aos gritos festejando a virada. Vamos nos fazer explícitos, meu amor. Vamos comemorar como idiotas, como se o mundo acabasse agora."
 - Alguém.
"Devia ser meia-noite. Ou mais. Ou menos. Já não importa. Eu estava com meus fones, o que quer dizer que o tempo havia desaparecido. Sei que devia estar já há algumas horas sentada no meu telhado. Estava chovendo também. Lembro-me das gotas d'água escorrendo por meus braços e por meu rosto. Deitei-me. Senti os gravetos e folhas no meu cabelo. Senti esses mesmos gravetos e folhas arranharem meus braços e meu rosto enquanto eu, de alguma forma, caía. Mas era como se ainda estivesse no lugar. Senti um baque, minhas costas, o chão. A chuva ainda caía sobre mim, ainda podia sentir algumas coisas. O quê havia acontecido? Ainda podia ouvir, bem longe e baixo, o som dos meus fones... Ainda ouvia um sussurro que dizia para um filho desobediente seguir em frente por que haveria paz ao final de tudo... Tentei respirar fundo, mas o ar saiu arfante. Tentei me virar, ficar de lado, impossível. Minhas costas doíam como o inferno. Oh céus... Seria esse o fim de uma vida? Talvez não, talvez apenas o início de outra... Fechei os olhos, tentei não pensar em nada, a música seguia ao fundo... "Carry on, you'll always remember..." Eu não me lembraria.. Já via memórias sendo apagadas. Corria atrás das memórias que fugiam. Três minutos de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Eu era Jim Carrey então? Ouvi minha mãe gritar e correr e abaixar-se ao meu lado e tomar-me nos braços. Minhas costas, minha coluna... Um último grito de dor e um sorriso leve. Gostaria que ela pudesse me ouvir pensar... "Mãe, não sofra, não chore. Siga em frente, é só o que lhe peço." Um último olhar para o céu e a escuridão. E então uma luz. Branca, forte, me cegou a princípio. Pude ouvir vozes. "It's a girl, it's a girl", ouvi um homem dizer, num sotaque britânico fortíssimo. Aquele choro de criança... Ah, sim. A morte que não era um fim."
 - Alguém.

sábado, 1 de dezembro de 2012

"Eu precisava de uma boa desculpa pra sair daquela festa. A música era horrível e não havia sequer uma bebida que pudesse me deixar de porre. Mas era a festa de uma velha amiga, ela iria ficar magoada se eu fosse embora.
Então eu precisava de um bom motivo pra ficar lá. Minha música preferida, um doce bem feito ou uma garrafa de whisky decente. Tanto faz. Mas era difícil encontrar algo bom ali.
Eu precisava de ar. Ar puro.
Subi as escadas e fui pra sacada de um dos quartos. O vento frio da noite bateu confortável contra minha pele.
Mas eu não estava só. Tinha um cara na sacada do outro quarto. Alto e muito branco, o terno escuro caía muito bem contra sua pele. Sua gravata estava lpresa com um nó nas grades da sacada.Os óculos de armação reta, discretos, o faziam parecer ainda mais sóbrio, sério.
Encarei meus pés. Eu era oposta àquele cara. Estava usando o mesmo par de tênis sem cadarço que usei na formatura do ensino médio. Um vestidoxadrez meio curto que eu com certeza não compraria, mas decidi tirar do embruhlo de presente e vestir.
Ele tinha aquele porte de excutivo bem sucedido, enquanto eu, bem, digamos que até minha estatura contribuía para que eu ainda parecesse uma caloura de colegial.
Pensei em entrar e me jogar na cama. Estou passando mal, Mari, você não se importa se eu ficar um tempo aqui, não é? Mas não pude. Os olhos dele prenderam os meus.
Olhos castanhos? Sim, deviam ser castanhos.  Mas também poderiam ser verdes. Mas estava bem assim. Olhos escuros contrastando com a pele clara que contrastava com o terno que contrasatava com a camisa que contrastava com a noite.
Ficamos um bom tempo assim, apenas nos encarando. Talvez ele também estivesse me fazendo perguntas mentais. Por três vezes, meus lábios se abriram. Mas nenhum som saiu.
Ouvi meu nome e meu pescoço virou-se instintivamente para dentro da casa. Que diabos. Ouvi a porta da outra sacada bater. Quando votei o olhar, ele já não estava lá.
Suspirei. Voltei para baixo.
Desci a tempo de ver alguém pegar um chapéu do cabideiro na entrada e colocá-lo na cabeça antes de sair pela porta. Alguém alto, usando um terno muito escuro.
Mas ninguém saberia quem era ele. Sequer saberiam quem eu era."
-Alguém.