domingo, 18 de novembro de 2012

"As pessoas têm um sério problema pra compreender seu devido poder. Elas se apegam a heróis de filmes, de revistas em quadrinhos, de desenhos animados. Por que ficam se baseando tanto nisso? Você tem um verdadeiro poder! Não importa seu sexo, sua idade, seu peso, sua altura. Você. Tem. Poder. É só questão de cair em si. Sabe, uma hora ou outra você tem que parar e pensar, mostrar a que veio. Todos, sem exceção, todo mundo mesmo vai duvidar de você. Talvez em segredo, discreta e disfarçadamente. Mas vão. Mas isso simplesmente deve servir de impulso. Faça por si mesmo. Sabe aquela história de provar pra todos que você não precisar provar nada a ninguém? É bem isso, meu amigo. Eu mesma, não estou querendo ajudar nem nada. Aliás, estou querendo ME ajudar. Estou querendo que parem de me pedir ajuda e ajam por si mesmos. Eu nunca vou ajudar completamente. Ninguém vai. Só suicidas, que não dão valor à própria vida. Eu dou valor à minha vida. Ôh se dou. É por isso que estou fazendo isso. Que se dane se pra você dará certo ou não. Ser humano é tudo assim mesmo. Eu te dou apoio, fico ao seu lado, te ajudo, te aconselho... desde que voicê me seja útil de alguma forma. A única exceção a essa regra, é o amor. Sentimentozinho bobo bobo, que te deixa bobo bobo bobo. Mas não estou falando de amor. Não agora. Não aqui. Talvez outra hora. Bem, o que quis dizer é que você deve agir por si mesmo, ninguém mais fará isso por você. Ah é, e pare de me pedir ajuda. Obrigada,
Alguém."
"Eu estava num daqueles dias que são terríveis e ótimos ao mesmo tempo. O mundo parecia querer me engolir e me abraçar no mesmo movimento. Respirei fundo. Eu não tinha razão para ter medo. Era um dia como qualquer outro certo? Errado. Erradíssimo. Em geral eu acordo mega disposta. Mas hoje não. Ah, foi um custo sair da cama. Me senti uma doente. Era como se eu tivesse ficado por semanas e semanas deitada naquela cama. Como se eu tivesse entrado em coma. Fui até o banheiro. Parei embaixo da ducha e abri o registro. A água caiu fria no meu corpo, ainda com as roupas de dormir. Segundos depois, a temperatura estaria agradável. Escovei os dentes com o ânimo de quem é forçado a trocar os amigos pelo dever de casa. Me sequei e fui para o quarto, enrolada na toalha. Vesti uma camiseta que mais parecia um vestido e me joguei na cama, os cabelos ainda úmidos. A luz do Sol bateu morna no meu rosto. Era bom. Ah, ainda existiam coisas boas no mundo. Mas ainda assim, meu dia seria triste. Tão ruim cortar ligações tão longas. Ah, não, que é isso? Loucura? O clube de teatro só se desfaria na semana seguinte. Óh céus, em que mundo fui parar? Hoje era só um dia normal. Só mais um dia de deixar o estômago embrulhado. Sim, só mais um dia..."

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

"Foi apenas uma troca de imagens, dois flashes, meio bater de coração.Um daqueles instantes básicos, porém necessários. Um tanto quanto essenciais. Um instante de ligação mental entre dois abismos.
Você olhou para ela. Ela olhou pra você. Meio segundo, o bastante para vê-la corar ao baixar a cabeça depressa. Sentiu esse sorriso brotando no seu rosto?
Os olhos dela voltaram ao livro que lia ende seus olhares se baterem. A capa dura de couro, escura, aparência pesada.
Talvez cinco, dez minutos tenham se passado. Ela fechou o livro e se levantou. Morangos Mofados, Abreu. Então era isso qe ela tanto escrevia no pequeno bloco de notas. Caminhou até o balcão da bibliotecária e parou, conversando.
Você bem que se esforçou, mas o tom das duas era baixo demais para que se ouvisse o nome dela.
Ela... Ela que saiu pela porta sem levar o livro.
Seu primeiro impulso foi o de correr porta afora e encontrar uma desculpa para falar com ela, mas se conteve.
Talvez cinco, dez minutos tenham se passado. Você fechou o livro e se levantou. Antologia poética, Drummond. Caminhou até o balcão da bibliotecária. Ela lhe entregou um bilhete. Uma folhinha de bloco de notas.
Saiu com o bilhete em mãos e o livro debaixo de braço. Parou na porta da biblioteca e acendeu um cigarro. Tragou-o. Abriu o bilhete.
"-Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.
 -Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.
>> não sei bem por quê pedi que te entregassem isso, mas pedi. Talvez seja essa magia da troca de olhares repentina. Espero vê-lo outra vez. Marissa."
Sentiu este sorriso bobo ao ponto de parecer insano brotando em seus lábios, meu chapa?
Pegou um guardanapo da padaria ao lado da biblioteca e rabiscou no meio dele com sua letra um tanto quanto afetada pela alegria repentina:
"-Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
 -O  tempo não existe.
>>espero que nosso reencontro não nos faça esperar por 20 anos, Marissa. Estou numa necessidade imensa de vê-la. Gostaria de ter tido a coragem. Pedro."
Voltou e deixou o bilhete com a bibliotecária.
 O dia em que Júpiter encontrou Saturno."

sábado, 10 de novembro de 2012

"Era o fim. Todos cercados e sem saída. Um tiro de um deles... Pulei na frente dela segurando uma placa de aço, mas não foi o suficiente... Morremos... O silêncio prevalece. Ela e eu caídos no chão frio, mortos, mas com o corpo ainda quente. Amigos choravam e se ajoelhavam para nos prestar socorro, mas já era tarde demais, pois o tiro havia atravessado em mim um ponto vital, assim como nela... Ela, que eu tentei salvar. Mas falhei. Falhei como a vez que tentei torná-la feliz. Aquele que nos matou fugiu com seus parceiros e nossos amigos gritavam socorro. E naquele momento, eu e ela nos levantamos, mas não nossos corpos e sim nossas almas... Olhamos um para o outro e ela me abraçou e agradeceu, eu pedi perdão por não tê-la salvo, mas ela não se importou com meu fracasso , o fato de eu ter tentado já a fazia satisfeita, mas não tanto quanto termos sobrevivido . Ninguém nos via e dias passaram. Fomos ao nosso funeral.Choramos juntos e seguimos primeiro para a casa dela para que se despedisse da família. Acreditávamos que uma hora iríamos embora deste mundo. Depois fomos à minha casa e depois à casa dos amigos, e sem mais para onde ir, seguimos para a praia, e sentamos na beira do mar. O que faremos agora?, perguntei a ela, que me disse vamos conversar sobre o por que você tentou salvar-me naquele dia. Eu disse que não foi pelo fato de que a amo, mas por que eu me sentia responsável em proteger a todos. Ela meu acertou um soco na cara .
Mais tarde, continuávamos a vagar sem rumo, e ela me disse que havia uma pessoa que ela gostava, ou melhor, amava, e eu dei a entender que eu não era esta pessoa. Ela me pediu desculpas e tomou outro caminho.Cinco longos anos sem vê-la, sem falar com ninguém, apenas vagando e assistindo a vida de outras pessoas, eu só tinha minha sanidade devido à minha fé. Um dia, enquanto andava pelas ruas de uma cidade, encontrei-me com ela, que estava com a andar em círculos, frustrada e incansável. Dei um soco em sua cara e disse Quando vivo, só vivo por algo. Quando morro, morro por alguém , mas o alguém agora é ninguém! Sei ler em latim, sei literatura, sei muitas coisas. Sei viver depois da morte, sei que você morreu, mas eu me fiz amigo a quem não tinha um, respirei, ouvi conselhos de pessoas mais velhas, procurei conhecimento, procurei sabedoria. Ela olhou com os olhos tortos e perguntou-me O que quis dizer com isso? Respondi apenas Nada, só não sabia o que dizer para você antes de te convidar para sair.Me deu a mão e perguntou para onde iríamos e eu respondi vamos ao teatro.

Meus profundos agradecimentos a Carlos Eduardo, o encantador de mentes, o atravessador de almas.
"Me disseram apenas que ele era um delinquente. Que havia matado dois jovens universitários e suas namoradas. E que depois havia roubado o carro deles. Apenas mais um desses bandidozinhos mequetrefes e sem valor pra sociedade. Me disseram para ir devagar com ele. Era um criminoso, mas tinha apenas quinze anos. Homicídio, roubo e porte ilegal de armas, mas estava junto com garotos como aquele que havia tentado furtar dois pães para dividir com os irmãos de rua. Entrei na sala e esperei que o policial o trouxesse. Algemado, ele me fuzilou com os olhos antes de sentar-se na cadeira do outro lado da mesa. "Você é o Pedro, não é?" "Você sabe que sim, vadia. Por que não termina logo a droga da sua avaliação e me deixa ir?" Vadia... Em meio minuto no mesmo ambiente, ele se mostrou pior do que os outros garotos. "Não vim fazer uma avaliação." "Então o que?" "Vim por que você ultrapassou todos os limites, querem te mandar pra prisão, mas antes precisam da minha opinião. E do seu consentimento." "Prisão... Como se eu já não estivesse preso." Ele era mais rude e mesquinho que muito cadeieiro por aí. Olhava por cima. Isso quando olhava. Não falava direto com você. Nunca. "Me disseram que é assassino. Está aqui por que matou." Ele riu sarcástico."Sim, dona. Matei. E mato ainda. Soquei um até a morte semana passada! Os caras nem ligaram. Gostaram até." O menino havia se tornado um sádico... Onde estaria a infância dele? A inocência? Eu precisava achar algo bom nele. Passamos mais de meia hora naquela sala gradeada. O menino só sabia se gabar dos crimes cometidos. Falava rindo, com gosto, com brilho nos olhos. Não pensei duas vezes quanto à minha decisão. O garoto não passava de um marginal. Não havia nada a ser salvo ali. Saí da sala e disse ao diretor que me esperava do lado de fora "mande-o para onde quiser. Não é mais uma criança." Segui pelo corredor. Creio que só então reparei no lugar onde me encontrava. Ninguém ali tinha salvação. Ninguém ali sabia o que era inocência. Muito menos eu."
Alguém.

 "Ao menos uma vez na vida, gostaria de ter a coragem necessária para ser covarde. A coragem para mandar meus problemas pro espaço, abraçar o mundo e fugir de mãos dadas com a felicidade. A coragem de não precisar cumprir todas as obrigações que a sociedade joga na minha cara. A coragem de não precisar encarar de frente todos os problemas, em especial os dos outros. A coragem de me refugiar num lugar bem longe. De correr para onde eu possa ver o pôr-do-sol ao lado da liberdade. De te puxar pela mão e levar para qualquer lugar onde ninguém cobre nada. Caminhar descalça até um cantinho onde ninguém me encontre. A coragem pra ser covarde é muito maior e mais complicada do que a coragem de não se acovardar. Ser covarde não é assim tão ruim. s hippies são covardes, duvido que morram de infarto ou que fiquem carecas por causa do stress. Um dia ainda me acovardo. Um dia fujo pro meu canto, um dia monto meu mundo. Por enquanto, vou sendo corajosa e vendo aonde essa coragem problemática pode me levar."
Só mais uma perdida com um mapa nas mãos.
"De ontem, dona, vem tudo de ontem... - eu disse.
 Como é? - ela parecia confusa, realmente confusa.
 Somos todos restos, sabe? Bom, quantos mais velhos, menos restos seremos. Ou será que seremos mais restos? Bem, só somos inteiros quando nascemos. Depois, vamos perdendo pedaços, deixando partes, virando restos. Tudo depende do ontem. Nossas histórias e memórias. É o que importa. É o que nos forma, sabe? Presente e futuro são só consequências, vão virar passado também. Quer ver? Hmmm... O seu "como é?", não faz nem cinco minutos que disse isso, mas já é passado. Tudo é passado. Tudo vem de ontem. Entendeu, dona? - fiquei oilhando fixo pra ela.
 Claro, claro, menino. Bem, pegue isso, vá comprar um doce. - ela me deu uma nota de dez reais.
 Dinheiro, dona? Dinheiro também passa. Só histórias ficam. bem, pelo menos espero que o que eu te falei fique. Tome, dona, vá comprar uma memória. - lhe devolvi a cédula e saí correndo entre os carros travados e sem lembranças, naquele congestionamento de vidas congestionadas sem memórias."
Um colecionador de memórias.
"É incrível como você nem sequer me sente... Eu poderia gritar, mas você não ouviria nada. Eu poderia tocá-la, mas você não sentiria nada. Então fico aqui, apenas de canto, ouvindo seus murmúrios, calado. Já é a terceira vez que você o pega lhe traindo. Já é o décimo soco dele que atinge seu rosto. Queria poder ficar com teus problemas, com os demônios que você engole todos os dias. Tão perto, tão longe. Se você pular, simplesmente irá cair. Minha proteção, meus cuidados... Têm sido em vão? Ah, essa luz cinzenta em minha mente... Estou tão alto, apesar de andar exatamente a seu lado.Não se preocupe. Você não ouvirá nada. Apenas o silêncio. E o baque. Como se um anjo atingisse o chão."
Teu protetor.
", simplesmente foi desse jeito. Não, não foi tão simples, não tão básico. Eu simplesmente não lembro muito bem dos detalhes, sabe? Lembro que estava sentada numa dessas pracinhas de bairro, com um caderno aberto no colo. Não lembro se lia, se escrevia, só lembro do caderno. Acho que uma brisa, bem leve, passou por mim. Okay, não foi assim tão leve. Foi o bastante pra virar uma folha do caderno e pra levantar meu cabelo. Acho que foi isso que me levou ao impulso de olhar pra trás. Esse vento - sim, lembrei-me. Era bem mais forte do que uma simples brisa. - havia levado o chapéu de um cara do outro lado da praça. Eu já havia o visto ali antes. O via ali todos os dias, na verdade. Sempre com o chapéu. Era um chapéu bonito, desses que eu via os homens usando nos filmes da Marilyn Monroe. Mas ele era jovem. Geralmente, caras por volta dos vinte e cinco não usariam um chapéu como aquele. Mas isso era uma coisa boa. O chapéu veio parar ao meu lado, no banco. O segurei para que o vento não o levasse de novo. O dono do chapéu correu na minha direção. Chegou esbaforido e soltou um "obrigado" meio sem ar quando entreguei o chapéu a ele. "Não tem de quê", respondi. Ele olhou depressa para meus pés. Eu havia garimpado muito atrás desses sapatos, ele que não risse deles! Era o tipo de sapato que todas as garotas queriam... na década de 50. Marilyn havia usado sapatos desse tipo. Ele não riu. Apenas sorriu de leve. "Belos sapatos, moça". Baixei a cabeça. Elogios. Isso não era muito habitual pra mim. "Gostei do chapéu...", eu disse. E ele riu da forma mais graciosa do mundo. Como o protagonista de uma das versões que vi de Romeu e Julieta. "Bem, obrigado por não deixar meu chapéu voar outra vez, ficaria pra conversar, mas estou atrasado." Eu consenti com a cabeça. Ele sorriu outra vez e saiu correndo. Talvez fosse tomar o metrô. Não sei. Mas saiu correndo. Eu devia estar com o dia livre. Por que passei horas deitada naquele banco inventando coisas pra fazer sem precisar sair dali. Ele não voltou. Também não o vi das outras vezes que passava ali para ir ao trabalho. Ele ficava ali todos os dias. Sentado num banco. Com um livro no colo. Havia se mudado ou mudado de emprego ou... Não sei. E também não deveria me importar. Mas nos dias que se passaram eu comecei a montá-lo na minha mente. Mas era impossível que ele fosse a combinação dos protagonistas dos meus filmes preferidos. Era impossível também eu ter me apaixonado tão facilmente. Era impossível que durante sete meses eu tenha querido falar com ele, mas eu só soube dizer "não tem de quê" e "gostei do chapéu". Bem, respondendo sua pergunta, eu já me apaixonei. Apaixonei-me por um cara cujo chapéu foi levado pelo vento, simplesmente foi desse jeito."
Alguém.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

"Não se concentre tanto nas minhas variações de humor, apenas insista em mim. Se eu calar, me encha de palavras, me faça querer dizer outra e outra vez sobre você, sobre nós, e todo esse amor. Se eu chorar, não me faça muitas perguntas, não precisa nem secar minhas lágrimas. Só me diz que você continuará comigo pra tudo, que tenho teu colo e teu carinho. E ainda que te doa me ver assim, me envolva nos teus braços e diga que eu posso chorar, mas que você não sairá dali enquanto eu não sorrir. Porque é isso que nos importa, não é? O sorriso um do outro. Não é?"
Caio Fernando Abreu.

Hoje eu queria um abraço daqueles que te sufoca de tão apertado e te protege de tudo. 
—Caio Fernando Abreu.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

"Peguei-me escrevendo outra canção. Mas, desta vez, não era de ódio, não era de amor, não era de inconformação. Era a letra mais apática do mundo. Tirei a folha do rolo que a posicionava na máquina velha e barulhenta à minha frente. Li o que havia escrito. Por Deus, eu escrevi mesmo isto? Quando eu me tornara tão incapaz de sentimento? Não, não. Me perdoe, ego, mas não posso seguir assim. Eu achei msmo que poderia ser feliz nessa casa mofada, com essa máquina de escrever - que mais ranje e bate do que escreve - e essas garrafas de whisky? Tenho um coração ainda. Sinto meu sangue correndo quando toco meu pulso. Sim, sinto. Mas isso não quer dizer nada além de "está viva, idiota, ainda está ocupando uma vaga no mundo". Ah, é. Era só isso que meu pulso significava. pelo menos, até eu me tocar disso. Olho pela janela. Chove demais lá fora, meu carro está meio longe. Me levanto da cadeira, largando a folha na mesa, sob um peso de papel - ou era apenas um bibelô? Já não importa. Tirei meu casaco e saí."
Alguém.
"Bem, hoje ouvi minha mãe dizer que eu mudei demais. Aliás, ela estava com aquele papo de mãe, disse que meu comportamento mudou. Uns três ou quatro velhos amigos meus, me disseram que eu mudei drasticamente de uns tempos pra cá. Ah sim, meu ex disse que eu estou diferente, que não sou mais a mesma de antes. Meu psicólogo disse que a análise dele mudou de uma semana pra outra e que isso não é muito bom. Mas, poxa vida, mudar é assim tão ruim? Devemos ser sempre os mesmos, todos os dias de nossa vida? Nos vestir, andar, falar... Tudo sempre e exatamente igual? Não somos máquinas, não somos exatamente o que eu chamaria de seres programáveis. Mudanças são parte da natureza humana. Aliás, são parte da natureza. É irremediável. Todos mudam ao longo da vida! Mudam muito, inclusive. Se eu parasse pra pensar no número de vezes que eu planejei minhas pequenas mudanças internas esse ano, só termino ano que vem. É sério! Bem, eu quis mudar algumas vezes. Admito que em outras, foi totalmente involuntário. Mas fazer o que? Não posso me forçar a ser igual, dia após dia."
Alguém.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

"Estou cansado de ser vilipendiado, incompreendido e descartado. Quem diz que me entende nunca quis saber! Aquele menino foi internado numa clínica... Dizem que por falta de atenção dos amigos, das lembranças, dos sonhos que se configuram tristes e inertes. Como uma ampulheta imóvel, não se mexe, não se move, não trabalha. E Clarisse está trancada no banheiro e faz marcas no seu corpo com seu pequeno canivete. Deitada no canto, seus tornozelos sangram. E a dor é menor do que parece, quando ela se corta ela se esquece que é impossível ter da vida calma e força. Viver em dor, o que ninguém entende, tentar ser forte a todo e cada amanhecer. Uma de suas amigas já se foi. Quando mais uma ocorrência policial. Ninguém me entende, não me olhe assim com este semblante de bom-samaritano cumprindo o seu dever, como se eu fosse doente, como se toda essa dor fosse diferente, ou inexistente. Nada existe p'rá mim, não tente! Você não sabe e não entende... E quando os antidepressivos e os calmantes não fazem mais efeito, Clarisse sabe que a loucura está presente. E sente a essência estranha do que é a morte. Mas esse vazio ela conhece muito bem. De quando em quando é um novo tratamento, mas o mundo continua sempre o mesmo. O medo de voltar p'rá casa à noite... Os homens que se esfregam nojentos no caminho de ida e volta da escola. A falta de esperança e o tormento de saber que nada é justo e pouco é certo, de que estamos destruindo o futuro e que a maldade anda sempre aqui por perto. A violência e a injustiça que existe contra todas as meninas e mulheres. Um mundo onde a verdade é o avesso e a alegria já não tem mais endereço. Clarisse está trancada no seu quarto com seus discos e seus livros, seu cansaço. Eu sou um pássaro, me trancam na gaiola e esperam que eu cante como antes. Eu sou um pássaro, me trancam na gaiola. Mas um dia eu consigo resistir! E vou voar pelo caminho m.ais bonito... Clarisse só tem quatorze anos."
 Renato Russo.
"Ah sim... Eu tentei. Tentei ser eu mesma. Tentei atuar. Tentei fingir. Tentei gritar. Nada adiantou. Ouviu bem? Nada! Sei que esse não é o conselho que você queria ouvir - nem sequer é um bom conselho. Mas, veja bem, é real. Não adianta você se maquiar, colocar um vestido perfeito e aquele par de saltos luxuosíssimo. Não adianta. Ele não vai olhar pra você. Seria então uma mulher poderosa, segura. O assustaria, menina. Também não adianta você usar roupas como as que ele e os amigos dele usam. Esse tênis, esse jeans largo, essa camiseta com a capa de um dos álbins da banda preferida dele... Tanto faz. Você vai ser a mesma menininha medrosa e assustada. Sinceramente, você pode até conseguir a atenção dele. Mas, desculpe a sinceridade, tudo que ele vai fazer é te comer e depois ficar se valgoriando por aí. Ele como comedor e você como vadia. Quer mesmo isso, menina? Dê-se o valor, assuma uma posição. Se ele é idiota o bastante pra comer qualquer uma, mostre que não é qualquer uma. Aliás, não mostre nada. Seja o que tiver que ser, faça o que tiver que fazer. Mas seja e faça por sim mesma, garota. Se lança, tem um mundo inteirinho aí pra você! Vai ficar se travando por um mané colegial qualquer? A vida é sua, menina. De mais ninguém. Faça agora e por você ou morra frustrada."
Alguém.

domingo, 4 de novembro de 2012

"E então eu subi naquela pedra. Sabe aquela grandona, super alta, de onde nós fingíamos voar quando éramos crianças? Emtão, fiquei lá, deitada, com o queixo apoiado nos braços, vendo o Sol descer na linha do horizonte. Estava diferente agora. Não sei, talvez não parecesse mais o topo do mundo. Talvez não me desse mais aquele frio na barriga. Fiquei ali, deitada, lembrando... Lembrando de quando éramos crianças e corríamos em círculos em cima dessa pedra, gritando "estamos voando, estamos voando!" e deixávamos nossos pais desesperados. Quando nos cansávamos, descíamos da pedra e íamos assaltar a caixa térmica que minha mãe havia trazido, recuperávamos as energias e depois íamos catar conchas enquanto a maré subia indo e vindo. Lembrando de quando crescemos e nos tornamos dois pré-adolescentes cheios de dúvidas e ficávamos sentados conversando, nossos pais tinham que gritar para nos despertar do nosso mundo primaveril e nos fazer descer de lá. Era hora de ir afinal. Lembrando de nossa adolescência, em que eu ficava parada, de olhos fechados, braços aberto, na beirinha da pedra e você fazia que me empurrava, mas me puxava para trás e depois me abraçava forte contra meus protestos. E então você dizia "vem comigo" e me arrastava pela mão até aquelas fendas fundas entre as pedras maiores e me beijava como nunca ninguém irá me beijar. Você deve saber que foi o primeiro que me beijou, não sabe? Bem, se não sabe, está sabendo agora. E ficávamos tempos e tempos entre aquelas pedras, tentando acalmar nossos hormônios um com o outro, mas isso só fazia o corpo fervilhar mais contra as pedras frias. E quando faltava fôlego, saíamos de lá pra ir pra beira do mar atirar areia um no outro. Num ano você ia pra minha casa, no outro era eu quem ia pra sua. Era um jeito dos nossos pais terem paz de vez em quando, mas não nos importávamos com os motivos deles. Gostávamos do tempo juntos. Quer fosse brincando, conversando ou experimentando nossos novos corpos, que traziam novidades a cada Ano Novo. É mesmo uma pena que justo agora, que não precisaríamos mais nos esconder de ninguém, você não esteja aqui. Não sei mais de você. O quê é estranho. Estranhíssimo. Mas tudo bem. Sendo você, sendo suas memórias, já me basta."
Alguém.
"Nunca mais vou amar ninguém, eu disse a mim mesma, entre dois goles de vodca, nunca, nunquinha, amor só fode a gente. Mas disse sem pensar, sei que não me controlo, sou péssima em me conter! E então terminei a vodca. Virei-me para observar o movimento mais além do balcão da boate enquanto o barman não me trazia outra dose. E então o vi entrando. Alto, louro, imponente. Os traços nórdicos perfeitamente angulados. Era a personificação dos meus sonhos. A camisa azul claro com as mangas dobradas caía tão bem em você como nunca havia visto em ninguém. Em geral eu não gosto dessa coisa de sport fino, de casual chic, mas adorei quando vi em você. Inspirava força e, ah meu deus, eu queria essa força! E então você olhou em volta, mas veio em direção ao bar. Quando você estava a apenas uns metros do balcão, o barman apareceu com a minha vodca. Aqui está, moça, disse o barman. Agradeci e tomei um gole. A vodca parecia ter um sabor muito melhor agora. Vi pelo canto do olho que alguém havia se sentado ao meu lado. Me virei duma vez, passei os olhos direto por você e depois fiquei encarando a pista de dança. Sim, era você. Com aquele seu Calvin Klein dominando o ar à minha volta. Por deus! Você era como um desses drinques óitimos mas que derrubam a gente depois de um tempo. Um desses bem doces, coloridos e que fazem um mal danado quando acabam. Por algum motivo, quando vi de relance você virando o corpo todo para mim, senti um arrepio de cima a baixo na espinha. Vodca, senhorita? Isso é mesmo sério!, sua voz era ainda mais doce do que o drinque que eu estava imaginando. Pelos céus, juro que podia me viciar nesse teu jeito de falar. Acha mesmo? Estou num dia bom. Virei o rosto e me deparei com seus olhos me fitando como se tentassem desvendar algo. Dia bom? Então não se importaria de aceitar algo que combine mais com a senhorita. Você tirou a vodca das minhas mãos e pediu um martíni para você e uma piña colada para mim. Posso?, perguntei, trocando os copos sem esperar resposta, Melhor assim, prefiro martíni. Você riu. Moça, você deve ser uma enxaqueca ambulante! Bebi um gole do meu martíni antes de perguntar como assim? E então você respondeu como toda sua maestria de galanteador de noitadas, Você parece ser o tipo de mulher que deixa qualquer um louco! Sabe, o tipo que detona a sanidade mental de qualquer ser humano. Não pude deixar de rir ao ouvir isso. Era mesmo sério? A personificação do orgasmo dizendo que eu era de deixar louco! Ah claro, sou ótima nisso! Porém, olhe só pra você! Aposto duzentos que você pode ir falar com qualquer mulher nessa boate que ela toparia transar com você na hora. Ele sorriu desafiador. Ah é? Mas eu não podia me deixar vencer. Tenho certeza. Quer apostar? Ele olhou sério para minha mão estendida e então a apertou. Okay, aceito. Duzentos. Olhei o mais secamente possível pra dentro dos olhos dele. Como disse, duzentos. Agora, vamos. Levante-se e fale com qualquer mulher daqui. Ele parecia se divertir com a minha proposta. Claro, claro, tudo bem, ele se levantou e ficou de frente para mim, então moça? Que tal uma trepada? Não pude conter o riso. O quê? Sem chance! Assim não vale!  Ele riu comigo. Vale sim, você disse qualquer mulher. Você é mulher, certo? Fiquei atônita, você estava certo. Bem... eu disse. Mas eu não vou transar com você, então você ganhou. Ele sorriu triunfante. Sim, me deve duzentos. Eu ia tirar o talão de cheques da bolsa, quando você segurou minha mão. Não, não, senhorita. Pare com isso. Não preciso de dinheiro... Tirei a mão de dentro da bolsa e a fechei. Pois então, não vai querer que eu pague a aposta? Você me olhou como se eu tivesse dito a coisa mais boba do mundo. E eu lá sou homem de sair sem pagamento de uma aposta ganha? Pois bem, primeiro, não vamos distorcer o que você disse. Me deve duzentos, certo? Eu ainda não havia entendido aonde você queria chegar... Sim, foi o que eu disse. Você passou a mão pelo queixo, como se considerasse uma hipótese. De fato, terrivelmente sexy. Você simplesmente me puxou pra frente e me beijou como se o mundo estivesse prestes a acabar. Então separou seus lábios dos meus e sussurrou contra minha boca: Cento e noventa e nove..."
Alguém.

sábado, 3 de novembro de 2012

"Sim, senhor, estou ouvindo. Sim, entendi. Entendi todas as normas, as regras, tudo. Sim, senhor. Vou seguí-las extamente como queres, como dizes que tem que ser. São apenas dez, certo? Bem, posso deixar de cumprir apenas uma ou duas de vez em quando? Não? Tudo bem, senhor. Entendo. És bom, és justo também. Sim, sei que suas regras são pra promover um mundo melhor. O quê? Oh, então tenho direito de escolha, senhor? Obrigado! Então não serei obrigado a seguir todas as regras? Não sou obrigado a nada? Isto é ótimo! Mas não acontece mesmo nada se eu não obedecer a todas as regras? Ah sim... O quê acontece? Como? Quer dizer que se eu não cumprir as suas leis, serei punido? O quê aconteceu com a tal liberdade de que o senhor falou? Achei que você fosse bom... Que tipo de prisão seria essa? O quê? Perpétua? Torturas? Ah, desculpe, senhor. Não compreendo. Você havia me dito que era bom. E justo. Mas... desculpe. O quê? Ah sim, é bom para os que o obedecem cegamente? Bem, sendo assim, creio que o senhor deva amar os tais Cruzados. Guerra Santa, senhor. Guerra Santa. Em teu nome. Pelos teus princípios."
Alguém.

"Prefiro ser um desses incrédulos a seguir calada e cegamente esse Deus de misericórdia que só sabe punir e estabelecer leis. Se Deus é amor e amor é essa filosofia de 'ou me ama ou vai pro inferno', um mundo sem Deus talvez seja a saída para tanta gente alienada pela religião."
"Não, não. Eu insisto. Tome, guarde contigo. É seu agora, entende? Não gosto disso, mas é a verdade. Tudo bem, tudo bem, meu amor. Apenas mantenha-o perto do seu. Eu não sei. Guarde-o no bolso da tua jaqueta talvez. Só sei que posso sentí-lo, mesmo que meu coração já não seja meu. Posso sentí-lo batendo no ritmo da tua respiração, meu amor. Talvez isso não faça tanta diferença, mas peço que cuide dele. Olhe só para mim, estou escrevendo um desses textos clichês que eu não aguento nunca ler até o fim. Como você faz isso comigo? A garota insensível, desregulada e que achava que nunca ia amar ninguém, se foi. Okay, ainda sou uma dessas desreguladas que cortam o cabelo no meio da madrugada com uma tesoura cega e fazem tattoos sem pensar no amanhã. Mas você chehou como quem não queria nada, o aluno novo, roubou meus olhares todos pra você - e olha que você nunca foi muito bem meu tipo de cara. Você era o menino baixinho, franzino, que vivia com aquele maldito moletom azul. Eu ficava lendo Edgar Allan Poe enquanto você ficava fazendo código HTML no seu caderno. Nunca entendi sua fixação por tecnologia, mas tudo bem. Também não entendo essa minha fixação em você."
Alguém.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

"Mais uma dose, por favor..."
"Mas já, menina? Você não deveria estar tomando Soda Limonada na esquina da casa de algum amigo seu, conversando sobre bobagens cotidianas?"
"O quê disse?"
"Disse que você não deveria estar aqui, falando comigo com esse copo vazio nas mãos. És tão jovem! Tão bela, moça... O que aconteceu para você estar aqui?"
"Ah, vida, caro amigo. A vida caiu como um tijolo nas minhas costas."
"Tens quantos anos, menina?"
"Eu? Dezenove..."
"Tão jovenzinha... Como pode a vida ser como um tijolo pra você?"
"Idade não diz nada, meu chapa. Agora quero outra dose."
"Sim, sim. Tudo bem. Mas então, o quê faz da vida?"
"Aparentemente a desperdiço."
"Me obrigaram a ouvir asneiras. Vomitei atrocidades. Ouvi dizerem que sou grossa, vi rostos se virarem quando eu passava. Percebi expressões de desdém, de ignorância, de vazio. Oh céus, como se eu me importasse! Como se isso mudasse o curso da minha história. Minha vida segue, meus caros. Minha vida segue. Sendo amada e amando ou sendo odiada e odiando. Ainda respiro. Sim, ainda há pulso. Sinto informar-lhes, porém sigo viva, sigo tentando, sigo sendo eu. E ponto. Seu ódio, sua repulsa, sua mágoa, sua ira. Nada disso me fará parar, meu amor. Nada. Simplesmente, cale-se e tente seguir também. Dizem que quando você presta muita atenção em alguem, sua atenção vira um freio e um impulso para ela."
Alguém.
"Acho que essa cena seria patética para um terceiro observador. Eu de cá, sentada nessa cadeira de balanço, lendo outra vez Morangos Mofados e tomando meu chá de maçã com canela com meia dúzia de antidepressivos. Você de lá, sentado no chão, ouvindo seu player, com suas doses de whisky e o seu baseado. Dois estranhos. Dois amantes. Dois amigos. Dois irmãos. Dois "tanto-faz-o-que-viemos-fazer-aqui". Aqui, ali. A cadeira, o chão. Caio F. Abreu, Luciano Pavarotti. O chá de maçã com canela, as doses de whisky. Os antidepressivos, o baseado queimando. Ah, nós nunca estivemos tão próximos e tão distantes. Sentia como se meu sangue pulsasse mais rápido e mais lento no mesmo instante. Sentia como se pudesse morrer ali. Morreria em paz. Morreria contigo? Sim, mas você não morreria comigo. Continuarias vivo, vivíssimo, cada dia mais vívido. Minha presença te trava, tua presença me suga. Começastes a cantarolar Retrato em Preto e Branco. Ah sim... Grande Antônio Carlos Jobim. O beijaria, se pudesse, só pela sua música, pela sua arte que é uma espada que atravessa sem doer, sem cortar, sem machucar. Pelo contrário. Muito pelo contrário. Talvez a voz de Tom Jobim fosse uma espada que cicatriza feridas expostas. Ou talvez o quê fizesse isso fossem os antidepressivos. Agora tanto faz, não importa. Minha alma sangrava, minha mente gritava, apesar de você estar ali, por quê também não estava. Era hora de atitudes. Estava me cansando desses metros entre nós. Estávamos nos estranhando. Isso não estava certo. Já queimamos um pelo outro um dia, lembra-se? Ah, como queimávamos! Éramos brasa, meu amor. Éramos brasa. Eu era uma faísca dessas bem miúdas, de um esqueiro quase sem fluído. Você era gasolina. Um tonel cheio dela. Onde foi parar isso, meu bem? Onde foi parar o calor, a vida? Estamos mortos? Sei que não, mas parecemos. Talvez você devesse tirar esses fones e apagar o seu cigarro, engolir todo o whisky, me tomar nos braços e levar pra tua cama. Talvez eu devesse fechar esse livro sem me preocupar em marcar as páginas, jogar esses comprimidos longe e largar a xícara de chá de canto, me levantar dessa cadeira e me sentar em cima de você, desviando sua atenção desse teu mundinho interno que tanto me assusta. Estamos trancados, meu amor. Trancados em nós."
Alguém.
"Ei menino bonito, não quer ser meu vizinho de porta? Assim você fica sabendo quando eu estiver sozinha e vem me fazer companhia. Gostei de você, garoto. Gostaria mais. Se fosse meu vizinho de lado. Assim você ouviria meus lamentos e saberia quando estivesse carente, poderia vir aqui e me ajudar. Ah garoto bonito, serias tão mais bonito caso fosses meu vizinho de trás. Poderia ver quando eu corresse desesperada pela casa por que meu chuveiro queimou.
Ah, poderia... Ah, menino bonito... Seja meu vizinho."
Alguém.
"Mais uma festa. Longa, curta, a duração dela em tempo já não importa. Ultimamente tenho estado cega e muda nessas festas. Sou toda ouvidos e toda sinestesia. Calculo os momentos pelas música, pelas batidas. Faço memórias pelo toque, pela sensação, pelos arrepios. Mas essa noite vai ser toda sons. Sinto isso. Sinto na pele, o quê é um tanto quanto irônico. Gosto do que ouço. Deve ser Anna Júlia. Sim, Los Hermanos. Reconheço este trecho. Já está no fim, é uma pena. Perdi uma das minhas músicas preferidas. Me lembra de uma amiga, os pais dela a batizaram com o nome da canção. Me lembra do meu primeiro beijo também. Não foi o melhor do mundo, mas foi cedo. Com um pouco de receio, quase houve um recuo, mas eu não deixei. Nessa época eu ainda não terminava as coisas na metade. Ah, sim.. Conheço essa. É bem triste, mas ainda é linda. Beira a perfeição, sim. Desculpe, sei que estou um pouco atrasado, mas espero que ainda dê tempo, de dizer que andei errado e eu entendo... Ah, Nando Reis... Sim, sim, essa voz toca minha alma. Enfim, acho que entrei na casa errada... Ouvi os próximos pedidos. Acho que tinha algo do Gorilazz no meio. Com certeza muito Paralamas, muito Legião, muito Capital. Em geral, as pessoas pareciam dispostas à monotonia. É, de fato. Esse ambiente não era o meu. Era por isso que a sinestesia não se fez tão presente. Não eram os mesmos toques aqui, é claro. Não ouvia à minha volta as mesmas vozes habituais. Enfim, gostava dos tais outros lugares, mas me simpatizava aos poucos com as pessoas do antro da monotonia. Podia ficar aqui por mais tempo. Eu, meus ouvidos, a música, a monotonia, as doses de tequila."
Alguém.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

"Ah cara, eu juro que foi sem querer. Foi sem querer daquela vez que eu acertei seu olho, foi sem querer aquela vez que eu peguei a última bala de canela, foi sem querer no dia em que nós brigamos e eu saí sem esperar resposta. Foi sem querer. Foi mesmo. Foi tão desproposital quanto gostar de você. E, caramba, eu gosto mais do que pensava. Gosto da tua voz, do teu cheiro, do jeito que você se veste. Mas gosto além dessas coisas que pairam na tua superfície. Você tem toda uma aura, todo um quê de lorde inglês, de Dón Juan de província - mesmo que nós nem sejamos assim tão pronvicianos. Ah, mas você é mesmo um tremendo filho da puta! Faz falta, sabe disso. Se aproveita. Você do quanto eu sou boba e sabe que não me aguento em mim por muito tempo sem falar contigo. Sabe que vou atrás, sabe que vou me virar. Talvez difarçadamente, mas vou. Estou fazendo isso toda vez que olho pra você. Ou quando pego sua camisa e simplesmente a visto como se fosse minha. Ou quando pego seu celular com a desculpa de ouvir umas músicas e saio correndo. Ou quando prolongo nossas conversas, nosso tempo juntos... Sabe que não faço isso com qualquer um. Você percebe. Sabe que me faz de boba se quiser, não sabe? E olha, eu nem te amo! Isso é idiota, certo? Mas a verdade é que toda vez que você me abraça ou quando me segura pra pegar suas coisas ou pra eu não te bater, eu estou louca de vontade de você. Isso não é normal. Não pra mim. Mas a gente tá nesse tanto faz há tanto tempo que se tornou confortável. Aceitável."
Alguém.
"Ah, querido... Você era minha última esperança. Sim, sei que parece exagero, sei que parece dramaticidade minha, mas ouça o que digo. Você fodeu com a minha vida. Não, não, olhe. Isso é algo bom! Você me fez repensar certas coisas. Aliás, você não fodeu com nada. Literalmente, não fodeu nada com relação a mim. Eu é que, na tua falta, tentei ter discussões comigo mesma e tentei me contrariar. Taí. Esse foi o meu brilhante prêmio. Mais e mais pensamentos doentios. Caramba, garoto, você é um idiota perfeito. Ou seria um perfeito idiota? Ah, já não importa. Fazem anos que não nos falamos. Ou seriam meses? Ah, de que diabos vale o tempo quando se está prestes a morrer? Por quê estamos, caro amigo. E como estamos. A cada segundo nos aproximamos mais e mais de nossas covas. É só que eu já aceitei isso, mas não posso deixar de encarar o fato de que estou sozinha nessa caminhada para a morte. Vejo esses colegas acenando de longe enquanto correm para seus túmulos, como se tivessem pressa. Tento ir para trás, mas há algo que me impele para frente. Ou algo que me puxa. Não sei. É como se um par de braços quentes envolve-se minha cintura e me arrastasse para aquele buraco. Mas não quero, não devo, não gosto da ideia de fechar os olhos para a eternidade que poderia se estender diante de mim caso aquela força cedesse. Acho que essa força se chama tempo. E, convenhamos, o tempo é idiota. Nos controla, nos suga, nos consome. O tempo é amigo e inimigo. É. Ele é mãe. Te frustra, às vezes te fere, te proíbe, mas cuida de você.Ah, caro tempo... Pare de ser cruel, me deixe ter um pouco de domínio... Me deixe perseguir o que quero e pare de me jogar para a frente. Às vezes é preciso voltar atrás."
Alguém.
"Ah amigo tédio. Venha cá. Mostre-me que é capaz de algo além de fazer minhas horas se arrastarem e de tornar meus dias nostálgicos. Venha cá. Ted. Já somos íntimos, não somos? Posso chamá-lo de Ted, certo? Pois bem, Ted, há algumas coisas aqui faltando. Você têm tornado essas faltas maiores. Oh Deus, sinceramente, a culpa não é sua. Estou te usando como pretexto, Ted? Aqui não é você o problema. Sou eu. Eu em prosa, em verso... Ah, Ted, amigo.. Você tem sido o único aqui, não é verdade? Ao menos, tenho você ainda. Ted é esse que sabe de coisas sobre mim das quais nem eu havia me dado conta. Santo Deus, é possível uma sensação saber tanto assim sobre mim? Você tem sido parte de mim nos últimos tempos, Ted. Aliás, tem sido parte de mim pela minha vida toda. Você é natural, é quieto, não atrapalha. Sim, me causa formigamentos e solidão, mas você é companheiro, Ted. Ou não. Talvez seja por isso que estou aqui, a dialogar ao vento, com uma sensação, que nem sequer é sentimento."
Alguém.