domingo, 4 de novembro de 2012

"E então eu subi naquela pedra. Sabe aquela grandona, super alta, de onde nós fingíamos voar quando éramos crianças? Emtão, fiquei lá, deitada, com o queixo apoiado nos braços, vendo o Sol descer na linha do horizonte. Estava diferente agora. Não sei, talvez não parecesse mais o topo do mundo. Talvez não me desse mais aquele frio na barriga. Fiquei ali, deitada, lembrando... Lembrando de quando éramos crianças e corríamos em círculos em cima dessa pedra, gritando "estamos voando, estamos voando!" e deixávamos nossos pais desesperados. Quando nos cansávamos, descíamos da pedra e íamos assaltar a caixa térmica que minha mãe havia trazido, recuperávamos as energias e depois íamos catar conchas enquanto a maré subia indo e vindo. Lembrando de quando crescemos e nos tornamos dois pré-adolescentes cheios de dúvidas e ficávamos sentados conversando, nossos pais tinham que gritar para nos despertar do nosso mundo primaveril e nos fazer descer de lá. Era hora de ir afinal. Lembrando de nossa adolescência, em que eu ficava parada, de olhos fechados, braços aberto, na beirinha da pedra e você fazia que me empurrava, mas me puxava para trás e depois me abraçava forte contra meus protestos. E então você dizia "vem comigo" e me arrastava pela mão até aquelas fendas fundas entre as pedras maiores e me beijava como nunca ninguém irá me beijar. Você deve saber que foi o primeiro que me beijou, não sabe? Bem, se não sabe, está sabendo agora. E ficávamos tempos e tempos entre aquelas pedras, tentando acalmar nossos hormônios um com o outro, mas isso só fazia o corpo fervilhar mais contra as pedras frias. E quando faltava fôlego, saíamos de lá pra ir pra beira do mar atirar areia um no outro. Num ano você ia pra minha casa, no outro era eu quem ia pra sua. Era um jeito dos nossos pais terem paz de vez em quando, mas não nos importávamos com os motivos deles. Gostávamos do tempo juntos. Quer fosse brincando, conversando ou experimentando nossos novos corpos, que traziam novidades a cada Ano Novo. É mesmo uma pena que justo agora, que não precisaríamos mais nos esconder de ninguém, você não esteja aqui. Não sei mais de você. O quê é estranho. Estranhíssimo. Mas tudo bem. Sendo você, sendo suas memórias, já me basta."
Alguém.

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